Durante a pandemia do novo Coronavírus, os relatos de doenças psiquiátricas dispararam – o número de pessoas com depressão duplicou e os relatos de estresse e ansiedade tiveram aumento de 80%, de acordo com a pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O estudo teve o intuito de compreender de que forma o isolamento social e as outras mudanças da pandemia vem afetando a saúde mental dos brasileiros, para isso, 1.460 pessoas de 23 estados foram consultadas entre março e abril de 2020 através de um questionário online.
A piora no estado psicológico dos brasileiros depois da chegada do Coronavírus também foi percebida nos hospitais. Apesar das idas ao médico por motivos que não sejam a Covid-19 terem diminuído, a emergência do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), de Fortaleza, por exemplo, recebeu mais casos relacionado ao estresse em 2020, se comparado ao ano anterior – o aumento no número de atendimentos foi de 3,5%.
Segundo a Dra. Regina Vaz de Castro, dermatologista que também trabalha diretamente com saúde integrativa, além do estresse, a pandemia trouxe um aumento muito grande nos casos de ansiedade, síndrome do pânico e depressão. Isso refletiu na piora dos casos de algumas doenças de pele, pois, como observa no consultório, mais de 80% das doenças de pele tem relação primária ou secundária com uma alteração emocional. Outro fator que contribui para essa piora foi a não procura por ajuda médica devido o medo e insegurança de sair de casa.
Como o estresse pode afetar a pele
O estresse é algo que todo ser humano tem a partir do momento que acorda e precisa enfrentar os desafios ao longo do dia. Existe um tipo de estresse que é fisiológico: o estresse agudo, em que substâncias são liberadas para a sobrevivência, por exemplo, “se você acende um fogo você não vai pôr a mão no fogo porque senão você vai se queimar e vai produzir um estresse agudo”, explica a dermatologista. O problema é o estresse crônico, onde é produzido uma reação no organismo que libera citocinas inflamatórias, provocando uma micro inflamação crônica e silenciosa.
A médica ressalta ainda que estresse também produz substâncias, entre elas o cortisol e adrenalina, e, quando em excesso, vão agir no intestino matando os lactobacilos vivos – esses servem como um espécie de filtro. “Esse filtro vai absorver vitaminas e eliminar toxinas, quando danificado duas coisas graves podem acontecer: por mais que eu me alimente bem eu não vou absorver vitaminas e o intestino não reconhece as toxinas que deveriam ir embora e absorve”. Essas toxinas podem impregnar no organismo acarretando no futuro uma série de patologias e desequilíbrios.
Por isso, além do sofrimento mental, os resultados da tensão podem aparecer na pele. As doenças clássicas mais relacionadas a fatores psicossomáticos são: dermatite atópica, psoríase, vitiligo, acne, desidrose e até mesmo enfraquecimento e queda de cabelo.
De acordo com uma pesquisa publicada na revista científica Inflamm Allergy Drug Targets, os prejuízos à pele também vêm da liberação constante do hormônio cortisol, produzido em situações de estresse. Ele pode causar atrofia cutânea (diminuição no processo de renovação celular) e a redução do número de fibroblastos (célula responsável pela captação do colágeno e da elastina – substâncias que dão elasticidade e firmeza aos tecidos). A falta dessas duas proteínas pode abalar a saúde da pele por completo.
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Outros “pequenos” e mais comuns problemas de pele causado pelo estresse
É comum ouvir frases do tipo “nossa parece que quando eu vou ter uma prova, quando me sinto estressada ou sob pressão, a acne piora” de quem já convive com problemas de pele. Pois, de fato, esses quadros pioram na presença de estresse. Processos de alergia, urticária, eczemas, e dermatite atópica são os principais. “A pandemia teve um reflexo grande nas famílias, divórcios, violência doméstica, e isso afetou muitas crianças, exacerbando os quadros de alergia e dermatite atópica”, comenta a dermatologista.
Devido a todas essas alterações no organismo, a imunidade também é atingida. Com isso, algumas doenças de pele, como o herpes, foram mais frequentes. “A gente teve durante a pandemia casos que eu nunca tinha visto, casos tão extensos de herpes zóster como eu vi agora”, relata a Dra. Regina Vaz. A chamada herpes zóster, também conhecida popularmente como cobreiro, mais grave do que a herpes comum, atinge a pele e o nervo provocando fortes dores.
“Sozinha eu não vou dar conta”, diz Agnes Gama, com dermatite há 7 meses
A Analista de Marketing, Agnes Luiza Alves Gama, 22 anos, desenvolveu a dermatite em abril deste ano, logo após o início do isolamento social. Ela percebeu que estava com uma doença de pele após surgir uma ferida no lado direito da sua cabeça, próximo ao rosto. Era uma lesão embranquecida que coçava bastante e com o tempo, começou a crescer.
Segundo a descrição da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) a dermatite, também chamada de Eczema, se define como: “um tipo de dermatose que se caracteriza por apresentar vários tipos de lesões”. A doença pode ser aguda, subaguda ou crônica e pode causar vermelhidão, coceira, pequenas bolhas e descamação da pele.
Assim como é frequente, diagnosticar a doença não foi um processo tão simples e rápido. Agnes começou a se informar pelo Google e perceber que os sintomas da dermatite eram os mesmos que estavam acontecendo com ela, depois consultou um dermatologista (pela primeira vez em toda sua vida) e foi diagnosticada. Como a doença ainda persiste e continua se alastrando, o tratamento irá continuar, mas, com outro profissional.
Existem vários tipos de dermatite: dermatite de contato, seborreica, numular, estase, atópica, herpetiforme, entre outras. A mais comum é a atópica, que geralmente se dá por causas emocionais. Segundo a Associação de Apoio à Dermatite Atópica, “raiva, ansiedade e frustrações, podem levar ao aumento da vermelhidão e da coceira, resultando na perpetuação da dermatite atópica”.
Agnes conta que em sua família, ninguém teve esse tipo de doença, e devido ao estresse da pandemia, ela acredita ter muita relação com o seu emocional, e isso está ligado com a forma de se expressar da pele e do corpo.
“Logo no começo [da pandemia], eu fiquei bastante afetada emocionalmente pelo isolamento e a mudança da rotina e isso teve um reflexo muito grande nas minhas emoções. Não é genético, porque minha família não tem, foi uma coisa bem minha e ligada ao emocional”.
Os cuidados com a pele que Agnes tinha antes da dermatite, mudaram. Ela começou a utilizar alguns produtos que antes não eram necessários ou que não tinha o costume. Porém, além de cuidar do exterior, ela percebe a importância de procurar uma ajuda psicológica, e iniciará um acompanhamento em novembro deste ano.
“A impressão é que a dermatite piora quando passo por uma situação de desconforto emocional, nervosa, ansiosa… e isso é bem complicado porque cada vez que isso acontece eu tenho que lidar com o sentimento e a relação do sentimento no meu corpo, e isso não é só uma forma emocional e uma forma física”.
O sentimento de estresse e desespero por não saber mais o que fazer, fez com que Agnes chegasse a se automedicar e também manipular remédios e shampoos, em busca de algo que aliviasse a coceira na pele que persiste há 7 meses.
“Toda vez que eu olho eu vejo que aquilo está aumentando, e é como se fosse um ciclo, eu fico ansiosa e a ansiedade gera mais coceira e ver esse aumento me faz sentir pior”
Assim como fez Agnes, procurar um especialista da área dermatológica e psicológica é o jeito correto de iniciar o tratamento para a dermatite. Desta forma, o acompanhamento do caso é possível de acordo com as limitações e exames clínicos de cada paciente.
Além do tratamento específico, outras medidas são eficazes para cada tipo de dermatite. Na dermatite atópica, é essencial hidratar constantemente a pele. Na dermatite de contato, é preciso evitar o material que levou ao início da doença. O que ajuda todos os casos é sempre manter-se saudável, bebendo água, fazendo exercícios físicos e utilizando protetor solar, para evitar complicações na pele que já estava lesionada.
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“Ela [a psoríase] está ali ainda, sempre aparece quando eu estou muito estressada, quando eu estou com muita pressão”, conta Danielle, com psoríase há 5 anos
A estudante Danielle Dalló de Oliveira, 21 anos, foi diagnosticada com psoríase quando tinha 16 anos após sentir muita coceira no pé e atrás da orelha. Depois da coceira, as regiões ficaram vermelhas e começaram a descamar. Foi então que ela decidiu procurar um dermatologista.
Na época, Danielle estava no ensino médio e acredita que as turbulências emocionais, comuns da adolescência, possam ter desencadeado a doença. Logo após o diagnóstico ela começou um tratamento com pomadas a base de corticóide, mas não demorou muito para o remédio perder a eficácia.
“Sempre que eu passava a pomada depois de um tempo a psoríase dava uma amenizada. Eu não tava conseguindo controlar, só estava ficando cada vez mais viciada naquele remédio, a minha pele se acostumou e quando eu parava de passar aquilo, voltava tudo de novo… muitas vezes até pior”.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a psoríase é considerada crônica sistêmica, autoimune e não contagiosa que afeta a pele de cerca de 3% da população mundial. Ela se manifesta, predominantemente, por lesões arredondadas, avermelhadas e descamativas na pele, que geralmente aparecem nos joelhos, cotovelos, unhas, mãos, pés e couro cabeludo, podendo atingir todo o corpo. Possui inúmeras opções de tratamento (tópicos, sistêmicos e com fototerapia), que sempre devem ser feitos por médicos dermatologistas.
“No Brasil, a prevalência da doença é de 1,3%, variando entre 0,9 a 1,1% nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 1,9% no Sul e Sudeste. Acomete qualquer faixa etária, com maior incidência entre 30 e 40 anos e 50 e 70 anos, sem distinção quanto ao gênero”, afirma Sérgio Palma, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
“De uns tempos para cá eu tenho controlado muito melhor meu emocional e tenho lidado muito melhor. A psoríase não tem avançado de nenhuma forma, mas ela está ali ainda. Eu estava em um projeto que realmente a coisa estava tensa, eu tava sentindo que coisa não tava melhorando nem piorando, mas estava lá e estava me incomodando”.
As causas da psoríase ainda são desconhecidas, mas sabe-se que envolvem questões autoimunes e genéticas. Também já está confirmado que alguns fatores externos podem causar o surgimento ou a piora das lesões, como: o tempo frio, as infecções e o estresse. O hábito de coçar ou de mexer nas lesões e os banhos quentes e prolongados pioram o quadro, provocando, muitas vezes, até ressecamento e coceiras da pele.
“Com a pandemia, com a quarentena, eu achei que isso fosse piorar por eu ficar em casa e não ter contato com outras pessoas, ficar mais irritada, não sei… mas na verdade o que eu senti foi o contrário”.
Desde o começo da pandemia, Danielle não teve problemas com a psoríase, ela acredita que o fato de ter desacelerado a rotina pode ter ajudado. “Esse horário que eu demorava sempre no trânsito ou para fazer outras coisas eu estou gastando para fazer absolutamente nada… e para mim isso me ajuda muito, porque o meu problema também está em pensar demais e na ansiedade”, explica. Além disso, conseguiu também voltar a praticar yoga, coisa que não tinha mais tempo na vida fora de quarentena.
Como as brasileiras cuidam da pele?
No Brasil, o Skin Care ainda não é prioridade e, quando há uma rotina de cuidados com a pele, ela é simples; é o que revela o estudo “A relação das brasileiras com a pele do rosto” realizado pela Avon em parceria com o instituto IBOPE Conecta, que contou com a participação de 1.000 mulheres entre 25 e 60 anos, de todas as regiões do Brasil.
De acordo com o levantamento, uma em cada quatro brasileiras cuida da pele apenas com água e sabão. As que mantém uma rotina em casa envolvendo outros produtos majoritariamente utilizam apenas o protetor solar e cosméticos para limpeza da pele. Já as mulheres que afirmaram que, além do tratamento caseiro, também buscam cuidados profissionais, citaram entre os procedimentos mais realizados a limpeza de pele (55%) e a esfoliação (41%), deixando de lado procedimentos reparadores, que representam menos de 10% dos tratamentos escolhidos pelas entrevistadas.
Apesar de cuidados elaborados não serem frequentes, a insatisfação com a pele é. O levantamento aponta que seis em cada dez mulheres gostariam de melhorar aspectos da pele do rosto. Apesar da maioria das insatisfeitas serem jovens (61%), a queixa mais relatada é o envelhecimento da pele – 56% delas estão tentando minimizar as marcas da idade.
Dentre as mulheres que mantém cuidados básicos com a pele está Agnes Gama: “era mais no banho quando eu usava um sabonete simples e nada de mais. Não tenho costume de passar creme”, diz. Após desenvolver a dermatite durante a pandemia, esses hábitos mudaram um pouco.
Ela conta que houve uma certa influência dos canais de comunicação para poder aderir à cultura do Skin Care, então começou a usar alguns produtos e fazer uma rotina diária de cuidados com a pele. Porém, não foi algo que a encantou até o final e ela parou com o tratamento. Para ela, o autocuidado não é somente externo, precisa vir de dentro, cuidar do emocional com ajuda profissional.
Por Flávia Viana, Nathali Coelho e Monique Caroline
Fonte: https://peleepandemia.wixsite.com/meusite/post/estresse-na-pandemia